20 de janeiro de 2013

O Concílio Vaticano II: 50 anos depois (III)

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3. Onde buscar os frutos do Vaticano II
Aconteceu mesmo este suspirado “novo Pentecostes”? Um célebre estudioso de Newman, Ian Ker, ressaltou a contribuição que pode ser dada por ele não só para o entendimento do desenrolar-se do concílio, mas também para o entendimento do pós-concílio[12]. Depois da definição da infalibilidade papal no Vaticano I, em 1870, o cardeal Newman refletiu sobre os concílios em geral e sobre o sentido das suas definições. Sua conclusão: os concílios podem ter efeitos não pretendidos por quem participou deles. Os participantes podem enxergar muito mais, ou muito menos, do que os resultados que vão ser produzidos por essas decisões.

Desta forma, Newman aplicava às definições conciliares o princípio do desenvolvimento, que tinha proposto acerca da doutrina cristã em geral. Um dogma, como qualquer outra grande ideia, não pode ser entendido por completo antes de serem avaliadas as suas consequências e desenvolvimentos históricos; para usar a sua comparação, só depois que o rio parte do terreno acidentado em que nasceu e desce até encontrar o seu leito mais amplo e profundo[13]. Aconteceu assim com a definição da infalibilidade papal, que, no calor do momento, foi entendida por muitos como algo maior do que aquilo que a Igreja e o próprio papa quiseram apresentar. Ela não tornaria inútil qualquer futuro concílio ecumênico, como alguns temiam ou esperaram. E disto, o Vaticano II serve como confirmação[14].

Achamos uma singular confirmação no princípio hermenêutico de Gadamer sobre a "história dos efeitos" (Wirkungsgeschichte), segundo o qual, para se compreender um texto, deve-se levar em conta o conjunto de efeitos que ele produziu na história, inserindo-se nessa história e dialogando com ela[15]. Isto é o que acontece de forma exemplar na leitura espiritual das Escrituras. Ela não explica o texto apenas à luz das coisas que o precederam, como ocorre na leitura histórico-filológica ao pesquisar as fontes, mas também à luz do que se seguiu, explicando a profecia à luz do seu cumprimento em Cristo, e o Antigo Testamento à luz do Novo.

Tudo isso lança uma luz única sobre o período pós-conciliar. Aqui também as realizações reais se posicionam, talvez, de modo diferente do que considerávamos inicialmente. Nós olhávamos para a mudança nas estruturas e nas instituições, para uma distribuição diferente do poder, para a língua a ser usada na liturgia, e não percebíamos o quanto essas mudanças eram pequenas em comparação com o que o Espírito Santo estava fazendo. Nós achávamos que romperíamos os odres velhos com as nossas próprias mãos, quando Deus, na verdade, nos propunha o seu método de romper os odres velhos pondo neles vinho novo.

Quando perguntados se houve um novo Pentecostes, devemos responder sem hesitação: sim! Qual é o sinal mais convincente dele? A renovação da qualidade da vida cristã, em todo lugar em que esse Pentecostes foi acolhido. O fato doutrinariamente mais qualificativo do Vaticano II são os dois primeiros capítulos da Lumen gentium, que definem a Igreja como sacramento e como povo de Deus a caminho, sob a orientação do Espírito Santo, inspirada pelos seus carismas, sob a orientação da hierarquia. A Igreja, enfim, como mistério e instituição; como koinonia mais do que hierarquia. João Paulo II relançou esta visão fazendo da sua implementação a prioridade no começo no novo milênio[16].

Perguntamos: onde é que esta imagem de Igreja passa dos documentos para a vida? Onde é que ela ganha “carne e sangue”[17]? Onde é que a vida cristã é vivida de acordo com "a lei do Espírito", com alegria e convicção, por atração e não por obrigação? Onde é que a palavra de Deus é tida na mais alta honra, e manifestam-se os dons, e sente-se mais forte a ânsia da nova evangelização e da unidade dos cristãos?


Tratando-se de fatos interiores, do coração das pessoas, a resposta definitiva para estas questões somente Deus possui. Devemos repetir, sobre o novo Pentecostes, o que Jesus disse do reino de Deus: "Ninguém dirá ‘Ei-lo aqui’, ou ‘Lá está ele’. O reino de Deus está no meio de vós" (Lc 17, 21). Podemos, no entanto, captar os seus sinais, auxiliados pela sociologia religiosa que lida com essas coisas. A partir deste ponto de vista, a resposta para muitas daquelas perguntas é: nos movimentos eclesiais!

Há algo que devemos precisar. Dos movimentos eclesiais, se não na forma, certamente em substância, também fazem parte as paróquias, associações de fiéis e novas comunidades em que se vive a mesma koinonia e a mesma qualidade de vida cristã. Deste ponto de vista, movimentos e paróquias não devem ser vistos em contraposição ou em competição uns com os outros, mas unidos na realização, de um modo diferente, do mesmo modelo de vida cristã. Entre eles, há também algumas das comunidades ditas “de base”, aquelas em que o fator político não assumiu a precedência sobre o religioso.


Devemos insistir no correto nome: movimentos "eclesiais", não movimentos "leigos". A maioria deles é formada não por apenas uma, e sim por todas as partes da Igreja: leigos, é claro, mas também bispos, padres, freiras. Eles representam todos os carismas, o "povo de Deus" da Lumen Gentium. É apenas por razões práticas que o Conselho Pontifício para os Leigos se ocupa deles, dado que já existem as congregações para o clero e para os religiosos.

João Paulo II viu nesses movimentos e comunidades paroquiais "os sinais de uma nova primavera da Igreja"[18]. O mesmo foi manifestado, várias vezes, pelo papa Bento XVI [19]. Na homilia da missa crismal da quinta-feira santa de 2012, ele disse:

“Quem olha para a história do pós-concílio pode reconhecer a dinâmica da verdadeira renovação, que tantas vezes tomou formas inesperadas em movimentos cheios de vida e que torna quase tangíveis a inexaurível vivacidade da santa Igreja, a presença e a ação eficaz do Espírito Santo”.

Falando dos sinais de um novo Pentecostes, não podemos deixar de mencionar em particular, ainda que fosse apenas pela extensão do fenômeno, a Renovação Carismática, que, mesmo não sendo um movimento eclesial no sentido estrito e sociológico do termo (não tem um fundador, uma estrutura e uma espiritualidade própria), é, ainda assim, uma corrente de graça destinada a se dispersar na Igreja como uma descarga elétrica na massa.

Em 1973, quando um dos arquitetos do concílio Vaticano II, o cardeal Suenens, ouviu falar do fenômeno pela primeira vez, ele estava escrevendo o livro "O Espírito Santo, fonte da nossa esperança", e nos conta o seguinte em suas memórias:


"Eu parei de escrever o livro. Considerei uma questão de coerência básica prestar atenção ao Espírito Santo, que pode se manifestar de maneiras surpreendentes. Eu estava particularmente interessado no despertar dos carismas, uma vez que o concílio tinha impulsionado esse despertar".

E, depois de verificar em pessoa e viver de dentro aquela experiência, compartilhada por milhões de outras pessoas, ele também escreveu:

"Paulo e os Atos dos Apóstolos parecem de repente ganhar vida e se tornar parte do presente. O que era realmente verdadeiro no passado parece estar acontecendo de novo diante dos nossos olhos. É uma descoberta da verdadeira ação do Espírito Santo, sempre atuante, como Jesus prometeu. Ele mantém a sua palavra. É mais uma vez uma explosão do Espírito de Pentecostes, uma alegria que tinha se tornado desconhecida para a Igreja"[20].

Os movimentos eclesiais e as novas comunidades não esgotam todo o potencial e as expectativas de renovação do concílio, mas respondem à mais importante delas, pelo menos aos olhos de Deus. Eles não estão livres de fraquezas e desvios parciais, mas que outra grande novidade na história da Igreja não sofreu as falhas humanas? Não foi a mesma coisa quando, no século XIII, apareceram as ordens mendicantes? Foram os papas romanos, especialmente Inocêncio III, que reconheceram e acolheram aquela graça pela primeira vez, incentivando o resto do episcopado a fazer o mesmo.

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