Geraldo Trindade
padre da
Arquidiocese de Mariana,
mantém o blog http://pensarparalelo.blogspot.com
O que é o sagrado dentro do contexto
pós-moderno que vivemos? Qual o espaço que ele ocupa dentro do profano da vida?
Estas distinções são traiçoeiras e muitas vezes, corre-se o risco de pecar por
serem rasas.
O sagrado é Deus em si; pois Ele é o
criador. De Deus viemos e para Ele retornaremos. Isto é, tudo lhe pertence.
“Cristo ontem e hoje... Princípio e fim
... Alfa e ômega... A Ele o tempo e a eternidade...A glória e o poder... Pelos
séculos sem fim. Amém”. Nós, seres humanos, somos criaturas. Reconhecer esta
condição é propiciar que sejamos capazes de crescer e estabelecer com Deus um
relacionamento marcado pela intimidade.
Recorda-nos São Paulo, “não somos
filhos de uma escrava, mas filhos de uma mulher livre. Cristo nos libertou para
que fossemos realmente livres.” (Gl 4, 31 – 5,1). Resgatados para uma condição
de filhos de Deus tornamo-nos Povo Régio e Sacerdotal. “Vós, porém, constituís uma geração
escolhida, um sacerdócio régio, uma gente santa, um poço conquistado, a fim de
proclamar as grandezas daquele que das trevas vos chamou para a sua luz
admirável. Outrora não éreis objeto de misericórdia. Agora sim, sois objeto de
misericórdia” ( 1Pe 2, 9-10). Nas vicissitudes da história e da vida cada
cristão é convidado a reconhecer a gratuidade do amor. Se assim caminha
passa-se a elevar a Deus um “cântico novo” (Sl 33,3) que brota dos lábios como
expressão de louvor ao Criador.
A liturgia que em grego leit (de ‘laós’, povo) e urgia (de érgon, ação, obra). Assim a
liturgia é uma ação, obra que se realiza em favor do povo, da comunidade, da
vida das pessoas. Para os cristãos, é atualização da entrega de Cristo para a
salvação. A liturgia faz o memorial da entrega redentora de Cristo na cruz.
Através da ação litúrgica se é inserido nas realidades da salvação. Dessa
forma, percebe-se claramente a raiz cristológica da liturgia. Cristo rompe um
simples ritualismo e faz a liturgia um “culto agradável e perfeito” ( Rm 12,
1-2). Porém, a liturgia não se restringe a uma realidade de espaço e tempo
determinado, mas prolonga-se como experiência vital. E mesma a liturgia conduzida
pelo ritual advém de uma experiência transcendental dos antepassados e dos
contemporâneos. Ela é meio do qual Deus se utiliza para expressar
plenificamente todo o realismo de Sua Palavra e de Sua carne. Por isso, é
preciso educar-se para aprender dEle a bem viver e nos alimentar dEle.
A liturgia da criação é “quebra” e
“extensão” de um silêncio criador. “A terra, porém, estava informe e vazia, e
as trevas cobriam o abismo, mas o espírito de Deus paira por sobre as águas”
(Gn 1, 2). A celebração litúrgica é acolhida, como filhos de Deus do supremo
Mistério Pascal (vida, morte e ressurreição do Senhor). É realidade antiga e
nova, capaz de atrair mentes e corações, invade e toca a nossa realidade,
transforma e convida a lançar nossa vida. O memorial da Nova Aliança torna-nos
participantes da vida de Cristo, homens e mulheres, renascidos a partir do novo
Adão, que liberta das fragilidades do pecado.
A partir de Cristo a realidade e a
humanidade não pode mais ser vista como profana. Elas trazem em si uma reserva
de sacralidade. “No princípio existia o Verbo, o Verbo estava voltado para
Deus, e o Verbo era Deus. O Verbo
estava, pois, voltado para Deus no
começo. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada se fez de tudo o que foi criado”
(Gn 1, 1-2). O universo é acolhida e morada do Altíssimo. Por isso, somos
eminentemente espirituais e como criaturas, tendemos para estar com o Criador.
O sagrado, Cristo, dignou-se assumir o profano, a humanidade (Fl 2, 5-11), a
fim de que a humanidade encaminhasse para o que há de mais sagrado Jesus
Cristo, ontem, hoje e sempre (Hb 13, 8).
Nosso coração humano volta-se
naturalmente para o que é bom, belo e verdadeiro, Cristo, o Belo Pastor. A
liturgia é a extensão mais digna da Palavra de Deus. Ela indica a Presença de
Jesus e do Evangelho em ritos, orações e símbolos. Ela é convite para
participar da vida divina vivendo ainda a vida humana, ela quer nos conduzir do
visível ao Invisível, proporciona a união entre a Terra, nossa origem e o Céu,
nossa origem primeira.
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