Muitos definiram o que ocorreu nesta semana na Sala
antiga do Sínodo, no Vaticano, um evento histórico: o Papa recebeu pela
primeira vez em sua casa os Movimentos Populares formados por trabalhadores precários
e de economia informal, migrantes, indígenas, camponeses sem terra e habitantes
das periferias das grandes cidades. Eles foram os protagonistas na última
terça-feira de um encontro que certamente marca, não só a vida dos Movimentos
Populares e de seus integrantes, mas também, se é que tinham dúvidas, a opção
real da Igreja Católica pelos últimos, pelos que sofrem, pelos pobres e
marginalizados. Francisco no seu longo e articulado discurso, uma espécie - como
foi definido “pequena Encíclica de Doutrina Social –, fez um veemente pronunciamento, cheio de
esperança, mas ao mesmo tempo de denúncia. Um discurso de amplidão e
profundidade.
O texto,
sintetizado em três palavras “terra, trabalho, casa” é mais uma recordação de
que é imperativo sair em direção das periferias, encontrar-se com os últimos,
os excluídos, os marginalizados; ouvir aquela humanidade ferida, que muitas
vezes tem a sua voz sufocada pelo grande barulho produzido pelo centro, ou
seja, por aqueles que não olham para o próximo, e quando olham, é somente para
ver neles, um objeto de exploração. É essencial ouvir essa humanidade, não só no
que diz respeito aos sofrimentos, mas também às expectativas, às esperanças e
às propostas que nutrem. “Eles devem se tornar os protagonistas de suas vidas”.
O atual sistema, - disse Francisco -, expulsou o
homem do centro, ele foi substituído por outra coisa, a que se rende a um culto
idolátrico ao dinheiro, globalizou-se a indiferença: “o mundo esqueceu-se de
Deus que é Pai e tornou-se órfão porque colocou Deus de lado”.
O Papa usou no seu discurso, expressões
muito fortes que fizeram a volta ao mundo: “não se vence o
escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que servem unicamente
para transformar os pobres em seres domésticos e inofensivos”. A quem reduzisse
os pobres à “passividade”, disse Francisco, Jesus certamente o chamaria “de
hipócrita”.
É estranho – continuou –, mas quando falo
sobre, terra, casa, trabalho, para alguns parece que o Papa é comunista.
Certamente na mente de Francisco veio a figura de Dom Helder Câmara que
comentava sobre o que diziam dele: “quando falo dos pobres sou um santo, mas
quando falo das causas da pobreza, sou um comunista”.
Bergoglio voltou a afirmar que o amor pelos
pobres está no centro do Evangelho. Portanto, terra, casa e trabalho são “direitos
sagrados”, “é a Doutrina social da Igreja”.
Os pobres querem ser protagonistas, reivindicam e praticam a solidariedade,
uma solidariedade que existe especialmente entre aqueles que sofrem, uma
solidariedade que a nossa sociedade esqueceu por considerar essa atitude um “palavrão”.
É necessário combater as causas estruturais da pobreza, da desigualdade.
O Papa elogiou os movimentos populares porque trabalham não com idéias,
mas com a realidade. É urgente resolver radicalmente os problemas dos
pobres, acabar de modo imperativo com as diferenças e injustiças. A injustiça
está na raiz de todos os males sociais.
Voltando às três palavras: terra, casa, trabalho. Quanto à terra, Francisco
denunciou o “escândalo” de milhões de pessoas que sofrem de fome, enquanto
"a especulação financeira afeta o preço dos alimentos, tratando-os como
qualquer outra mercadoria”. Depois repetiu, falando sobre a casa: “uma casa
para cada família”. Neste nosso mundo, cheio de injustiças, abundam eufemismos
nos quais uma pessoa que sofre por causa da pobreza é definida simplesmente
'sem-teto'. E a terceira palavra, trabalho: a ausência de trabalho, sublinhou o
Papa, é a maior “pobreza material”, porque aqueles que não têm trabalho, não
tem dignidade e acabam vítimas de uma “cultura do desperdício“. O Santo Padre
recordou mais uma vez que no mundo há milhões de jovens desempregados e que na
Europa inteiras gerações foram neutralizadas “para manter o equilíbrio”, o
equilíbrio da economia.
O denso discurso de Bergoglio tocou ainda o binômio ecologia-paz, afirmando que são questões que devem interessar
a todos e, “não podem ser deixadas somente nas mãos dos políticos”. O Santo
Padre afirmou mais uma vez que estamos vivendo a “III Guerra Mundial”, em pedaços,
denunciando que “existem sistemas econômicos que têm que fazer a guerra para
sobreviver”. Quanto sofrimento, quanta destruição quanta dor!
O brado do Papa por uma maior
justiça voltou a ecoar nos meios de comunicação de todo o mundo, no coração e
mente das pessoas: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum
trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade do trabalho. Francisco
pediu mais uma vez para que olhemos para próximo, sem distinção, e convidou os
movimentos populares de todo o mundo continuar sua luta, porque, disse, “é bom
para todos”.
Silvonei José Protz
Colunista do Blog Evangelizando. (+ artigos)
Diocese de Roma (Itália). Doutor em comunicação e professor universitário em Roma. Jornalista da Rádio Vaticano: "a voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo".
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