26 de setembro de 2014

O CHORO DE UM PAPA

O Papa chorou em terras albanesas, e a emoção de Francisco fez o giro do mundo. Mas por que o Papa chorou? Bergoglio se comoveu e comoveu o mundo, quando ouviu o testemunho de um sacerdote e de uma religiosa antes da celebração das Vésperas no último domingo na Catedral de São Paulo, na capital albanesa. O testemunho do sacerdote e da religiosa fez os presentes mergulharem no passado de um país que padeceu a violência da perseguição religiosa: ambos contaram suas experiências pessoais, durante o antigo regime ditatorial e de perseguições contra a Igreja e o clero no país. Os dois sobreviventes do martírio na Albânia testemunham na Catedral de Tirana a sua fé incondicional a Cristo... e o Papa Francisco, chorou. 

Bergoglio improvisando seu discurso – disse que não pronunciaria o seu discurso preparado - ficou tão emocionado que não deixou passar aquele momento em branco e com voz embargada, disse: “Hoje quando retornarmos a casa pensemos sobre isso, hoje tocamos os mártires”. Francisco confidenciou que tinha se preparado muito para esta visita ao país das águias, lendo a história de perseguição na Albânia, mas para ele – foi outra confidência - foi uma surpresa, pois não sabia que esse povo tinha sofrido tanto. “Uma nação de mártires”, acrescentou.

A Igreja da Albânia depois de décadas de sofrimento, vinte anos atrás conheceu a luz da liberdade, abandonou o longo inverno da perseguição, do silêncio de catacumba, imposto por um regime que se dizia ateu. A liberdade de um país que teve sua fé machucada pela opressão, tem hoje o rosto, o sorriso e a paz expressa pelos dois religiosos que deram seu testemunho diante do Papa e do mundo. Dois religiosos que, até o fim, contra a corrente, jamais abandonaram aquele amor que tudo consola, o amor a Jesus Cristo. São os rostos envelhecidos e os corpos curvados de padre Ernest Simoni, 84 anos e da irmã Marije Kaleta, 85 anos. 

O testemunho e a coragem desses dois filhos da Igreja, junto com o modelo de convivência de um povo composto por várias religiões, são as chaves que nos permitem abrir a porta e compreender o significado da viagem do Papa Francisco a uma terra que foi banhada pelo sangue de fiéis inocentes.  

Este país reerguendo-se das cinzas de um passado a ferro e fogo, constrói hoje um modelo de fraternidade, não só para os Bálcãs, região onde se encontra, mas para toda a Europa, que, mais do que nunca, necessita de sentido de pertença e de voltar aos valores sobre os quais foi construída. Na sua mensagem no livro de Ouro no Palácio Presidencial, Papa Francisco recordava o seu afeto a esse povo: com “respeito e admiração pelo seu testemunho e fraternidade para levar o país em frente”.

Nesta terra, não distante do Vaticano – pouco mais de uma hora de vôo – o Bispo de Roma não usou meios termos para falar ao mundo sobre uma verdade que jamais pode ser discutida: “Ninguém pense que pode usar Deus como escudo enquanto projeta e pratica atos de violência e de vexação!”. Disse ainda que “a religião autêntica é fonte de paz e não de violência” e repetiu: “matar em nome de Deus é um grande sacrilégio!”. Palavras fortes e duras que marcam o sentido profundo de uma viagem a um país que conheceu a tristeza da tentativa de banir Deus da sua vida. 

Foi uma viagem a um país pequeno, de certo modo insignificante no que diz respeito à economia, à política, à ação militar; um país da periferia. Mas depois do último domingo, o mundo passou a conhecer um país, um povo, onde a cooperação étnica e religiosa é exemplo para todos. 

A Albânia conheceu o horror da guerra e das perseguições, mas hoje percorre o caminho da paz, da convivência e da colaboração. O Pontífice deixou o país dos Bálcãs com um recipiente de cristal com terra deste país que deu ao mundo Madre Teresa de Calcutá, um presente entregue pelo primeiro-ministro em nome de todos os albaneses. Quase para recordar que o mundo da solidariedade moderna nasceu neste país, com aquela que se dizia “o lápis nas mãos de Deus”: ela o símbolo daquela abnegação que tanto Francisco prega.

O Papa chorou em terras albanesas, porque pôde ouvir da voz de mártires, que contaram as indizíveis atrocidades que o homem é capaz de fazer contra o homem... e falaram com a serenidade de alguém que encontrou a paz e recebeu o consolado de Deus. Assim o testemunho que chega do povo da Albânia e da sua história é precioso neste tempo em que o nome de Deus é usado para justificar a violência e o desvio do autêntico sentido da religião. 

Silvonei José Protz
Colunista do Blog Evangelizando. (+ artigos)
Diocese de Roma (Itália). Doutor em comunicação e professor universitário em Roma. Jornalista da Rádio Vaticano: "a voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo".

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