"O maior pecado da sociedade atual é ter perdido a noção de pecado". Autor da sentença é o Papa Pio XII, falecido em 1958. Se ela tinha sentido naquela época, o que será hoje, 55 anos depois?! Passei a infância e adolescência sob o pontificado de Pio XII, e lembro muito bem o "clima" que reinava na maior parte dos ambientes "cristãos" (familiares e eclesiásticos) de então, que parecem contradizer a afirmação. O "pecado" dominava soberano, sobretudo no campo da sexualidade. A confissão (pelo menos para as pessoas que buscavam a santidade) devia ser semanal. Poucos se atreviam a comungar sem a ela recorrer. O tema preferido pela maioria dos pregadores eram as terríveis consequências do pecado: os castigos de Deus nesta vida e na eternidade.
Talvez pela força das leis que regem a dialética - tese, antítese e síntese -, hoje a humanidade parece ter passado para "o outro lado": nada mais é pecado. Não poucas das "transgressões" de antigamente passaram a integrar a lista dos direitos humanos. É o caso do divórcio, do aborto e do casamento gay, vistos como conquistas do pluralismo cultural que caracteriza a modernidade. Se alguém ousa divergir, é marginalizado e perseguido, um imbecil ou ingênuo a serviço das forças conservadoras que atravancam o progresso da humanidade. Por sua vez, um número cada vez maior de autoridades civis - em nome do estado laico - apoia e impõe estas e outras mudanças com um autoritarismo que se pensava coisa do passado.
Mas, mesmo que se deva enfrentar a opinião geral, não convém brincar com o futuro e a sobrevivência da humanidade: "Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes. Vocês os conhecerão pelos frutos que produzem. Por acaso, colhem-se uvas de espinheiros ou figos de urtigas?" (Mt 7,15-16). Infelizmente, os "frutos" desta guinada em andamento na sociedade estão à vista de todos. Não são os assaltos, os assassinatos, os roubos, a corrupção, o estupro e a pedofilia que ocupam a maior parte dos noticiários e mantêm em sobressalto a população? Só não vê quem não quer. Isso acontece sempre que "cegos guiam outros cegos. Todos caem no mesmo buraco" (Mt 15,14). Não há como negar: "O salário do pecado é a morte" (Rm 6,23).
Na catequese dos meus tempos de criança, aprendi que nascemos e vivemos sob o influxo dos "sete vícios capitais". A doutrina foi retomada pelo Catecismo da Igreja Católica, publicado em 1992: "O pecado cria uma propensão ao pecado; gera o vício pela repetição dos mesmos atos. Disso resultam inclinações perversas, que obscurecem a consciência e corrompem a avaliação concreta do bem e do mal. Assim, o pecado tende a reproduzir-se e a reforçar-se. Os vícios podem ser classificados segundo as virtudes que contrariam, ou ligados aos pecados capitais que a experiência cristã distinguiu. São chamados capitais porque geram outros pecados, outros vícios. São o orgulho, a avareza, a inveja, a ira, a impureza, a gula e a preguiça".
Mahatma Gandhi (1869/1948), em quem era evidente o dom da sabedoria e da perspicácia, prefere falar em "sete pecados da humanidade". A seu ver, eles penetram em todos os ambientes, através de pessoas que fazem do egoísmo o seu deus: política sem princípios, riqueza sem trabalho, prazer sem consciência, conhecimento sem caráter, economia sem ética, ciência sem humanidade e religião sem sacrifício.
Com ele sintoniza a Igreja. Em março de 2008, a imprensa internacional divulgou que o Vaticano havia "acrescentado" - esquecendo que eram denunciados desde o Concílio Vaticano II - outros seis pecados à lista dos sete tradicionais: a pedofilia, a degradação ambiental, o aborto, o tráfico de drogas, as desigualdades sociais e a manipulação genética. São os "pecados sociais", gerados por uma globalização excludente e materialista, fomentada pelo egoísmo de alguns e pela apatia de muitos.
O pecado continua fazendo as suas vítimas. Não foi por nada que Jesus falou: "O espírito é forte, mas a carne é fraca. Rezem e vigiem para não caírem na tentação" (Mt 26,41). Graças a Deus, porém, "onde o pecado foi grande, maior foi a graça" (Rm 5,20). Por isso, ao invés de chorar ou criticar, o cristão prefere "vencer o mal fazendo o bem" (Rm 12,21), pois sabe que "o amor apaga uma multidão de pecados" (1Pd 4,8).
Dom Redovino Rizzardo
Colunista do Blog Evangelizando.
Bispo de Dourados (MS). Realizou seus estudos no Seminário São Carlos, Guaporé (RS), da Congregação dos Missionários de São Carlos, e os completou na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica.
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