21 de outubro de 2013

Cultura do jogar fora

Cultura do jogar fora
Comer, ter algo para matar a fome, abrir a geladeira, colocar a mão no bolso e ter dinheiro para comprar algo para saciar a fome; gestos que para muitos pode parecer mais do que normal, e que muitas vezes são feitos sem pensar: tenho fome, então eu como. Mas para quase um bilhão de pessoas, - quase 5 vezes a população do Brasil – passar fome é algo normal, é quase uma condição permanente. Cerca de um bilhão de pessoas vai dormir todas as noites, faminta... e isso acontece em um mundo onde o desperdício de alimentos está na ordem do dia...estamos vivendo a “cultura do descartável”, em linguagem mais popular, “do jogar fora”. E quando jogamos fora alimentos, jogamos fora também a oportunidade de vida de milhões de pessoas. Fazemos isso sem pensar que o nosso próximo tem a mesma sensação de fome, de angústia, de medo, de dor. O ato mecânico de jogar alimento fora cria em nós um indiferentismo que cresce, um individualismo que mata... sim que mata pois estamos jogando fora a esperança de vida de crianças, homens e mulheres, que devem se contentar com o resto, com o lixo do mundo.

O Papa Francisco não perde a oportunidade para levantar a sua voz e recordar a todos os homens o “escândalo” da fome no mundo de hoje, onde o desperdício diário de toneladas de comida é uma constante; e fez isso em uma mensagem por ocasião do Dia Mundial da Alimentação, que se comemorou na última quarta-feira, dia 16. “É um escândalo que ainda haja fome e subnutrição no mundo. Não se trata apenas de responder às emergências imediatas, mas de enfrentar juntos, em todos os campos de ação, um problema que interpela a nossa consciência pessoal e social, para obter uma solução justa e duradoura”, destacou o Santo Padre na mensagem enviada a José Graziano da Silva, Diretor Geral da FAO, a agência da ONU para a Alimentação e a Agricultura.

Ainda no dia 17 celebramos o Dia Mundial para o fim da pobreza, que este ano teve por tema “Trabalhar juntos por um mundo sem discriminações: Construindo sobre a experiência e sobre o conhecimento das pessoas em pobreza extrema”. Precisamente este dia recorda o primeiro dos objetivos do milênio, cuja meta está ainda muito longe. Como disse antes, cerca de um bilhão de pessoas todos os dias vai deitar faminta, mas também vive em casas precárias, sem assistência médica, sem serviços higiênicos e, por causa de todos estes motivos, todos os dias morrem 20 mil crianças. Esse dia segue imediatamente aquele da Alimentação, com uma coincidência de datas não expressamente pensada, mas certamente significativa.

O dia 16 de outubro é o aniversário da fundação da FAO, o Organismo da ONU para a Alimentação e a Agricultura, enquanto o dia 17 de outubro é o do encontro em 1987 de cem mil defensores dos direitos humanos no Trocadero de Paris, organizado pelo Aide à toute détresse-Quart monde, o movimento fundado na França pelo sacerdote de origem polonesa Joseph Wrzesinski.

Voltando à questão da fome, da real situação de milhões de pessoas o Papa Francisco chama a atenção para que a mesma não seja jamais considerada como um fato normal, ao qual devemos nos habituar, como se isso fizesse parte do sistema: algo tem de mudar em nós mesmos, “na nossa mentalidade, nas nossas sociedades”, escreveu. Volta então em primeiro plano a palavra solidariedade, uma “palavra incômoda”, que deveria ser a base de todas as decisões, sejam elas políticas, econômicas ou financeiras. E quando falamos de solidariedade vem em mente a pessoa, centro de qualquer decisão, de ações que não sejam meras formas de assistencialismo, mas um esforço contínuo que visa o bem comum.

Francisco nos chama a atenção para o desperdício de alimentos, fruto da ‘cultura do descartável’, que leva regularmente a sacrificar homens e mulheres aos ídolos da avareza e do consumo, um triste sinal da ‘globalização da indiferença’, que nos vai habituando lentamente ao sofrimento dos outros.

Numa época em que a globalização permite conhecer as situações de necessidade no mundo, o que vem fora é a tendência ao individualismo e ao fechamento em nós mesmos. Tendência que leva à indiferença por quem morre de fome.

O mundo mudará se começarmos a mudar as nossas ações, através do nosso comportamento, das nossas escolhas. Solidariedade rima com fraternidade e fome com nome. É hora de dar o nome a essa situação: escândalo do nosso tempo.

Silvonei José Protz
Colunista do Blog Evangelizando
Diocese de Roma (Itália). Doutor em comunicação e professor universitário em Roma. Jornalista da Rádio Vaticano: "a voz do Papa e da Igreja em diálogo com o mundo".

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