Blog Evangelizando
Nos meus tempos de estudante, ouvi dizer que, na Idade Média, durante a celebração que assinalava a subida de um papa ao Trono de Pedro, alguém queimava um feixe de palha diante do escolhido, pronunciando estas palavras: «Assim passa a glória do mundo!».
Lembrei-me delas ao me deparar com a notícia publicada em vários órgãos da imprensa do Mato Grosso do Sul no sábado, dia 24 de agosto de 2013, poucas horas após a morte de Ari Artuzi, o prefeito de Dourados que fora cassado e preso no dia 1º de setembro de 2010, acusado de malversação da coisa pública: «O juiz da 6ª Vara Cível de Dourados, José Domingues Filho, considerou que as provas coletadas na “Operação Uragano” desencadeada pela Polícia Federal em 2010, não são suficientes para comprovar a culpa dos acusados no que diz respeito à área cível, e julgou improcedente a ação por prática de atos de improbidade administrativa contra os réus. Na ação pública, o Ministério Público Estadual pretendia reaver o dinheiro que os réus teriam retirado dos cofres públicos por supostas ações ilícitas, além da punição de afastamento da vida política por oito anos. O juiz considerou as acusações improcedentes e mandou liberar todos os bens que estavam bloqueados».
A notícia me fez mudar a sentença “Assim passa a glória do mundo” para “Assim passa a justiça do mundo”. Pois, se o Ari é inocente, quem vai carregar a culpa de sua condenação e morte prematura? “A sociedade”, talvez alguém possa responder. Certo, mas a sociedade é formada por pessoas concretas: juízes, promotores, advogados, políticos, policiais, médicos, etc., e inclusive, por pessoas humildes e simples do povo, como podemos ser eu e você, amigo leitor.
Num artigo que escreveu na segunda-feira, dia 26, Wilson Biasotto – candidato a prefeito juntamente com o Ari, em 2008 – fez uma pergunta intrigante: «O câncer do Ari, que o levou à morte, em minha opinião de leigo, foi provocado pelo elevado nível de estresse, pela bagunça generalizada de seus neurônios que não suportaram tanta pressão. Se essa minha concepção estiver correta, resta-nos responder à pergunta: o Ari Artuzi suicidou-se devido à sua ganância, à sua febre pelo poder, ou foi assassinado por aqueles que quiseram se aproveitar de sua popularidade?».
Quem também se manifestou no mesmo dia em artigo muito sensato foi Benê Cantelli: «Quantos casos existem no Brasil, onde, depois de morto, sabe-se que não havia nem pecado nem crime na vida do condenado! Quantas vezes julgamos as pessoas, mesmo sabendo do juízo que diz: “Não julgueis para não serdes julgados!”. Quem disse essa frase é Jesus, que, condenado, morreu tão somente para nos salvar. Em nosso caso, o que interessa é o que disse seu tio, Júlio: “O Ari morreu em paz por ter sido absolvido”. Claro, hoje e por algum tempo, ainda aparecerão juízes não togados, que continuarão a condenar, se dele não gostavam, e a inocentar e fazer dele um santo, os que assim o viam».
Por sua vez, a vereadora Virgínia Magrini expressou a opinião de não poucas pessoas: «Se ele tivesse roubado, não ia ficar dependendo de doação de cesta básica e remédios, além de se tratar pelo Sistema Único de Saúde. A realidade não condiz com a de um homem acusado de receber R$ 500 mil por mês em fraudes. Doente, ele se alimentava por sonda, mas nem sempre tinha o alimento líquido. Se tivesse roubado, usaria o dinheiro para manter a vida. Se fez algo que não devia, foi por ingenuidade».
Nos últimos dias de vida, diante do câncer que avançava, o Ari sentiu saudades da Igreja Católica, onde fora batizado e recebera a fé. Às escondidas – porque seu terceiro casamento fora realizado numa Igreja Evangélica – pediu a presença de um padre, que o ajudou a se reconciliar com Deus e lhe ofereceu o Pão que o sustentou na última viagem.
Por experiência própria, sei que somos inclinados a nos julgar «sem pecado e a jogar a primeira pedra» (Jo 8,7). Talvez seja por isso que Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, foi levado a declarar: «As pessoas quebram um banco, falsificam a contabilidade, enganam o governo, dão prejuízo ao povo e depois disso tudo se julgam donas de uma série de direitos, como se fossem injustiçadas. É um país curioso esse nosso Brasil!».
Dom Redovino Rizzardo
Colunista do Blog Evangelizando
Bispo de Dourados (MS). Realizou seus estudos no Seminário São Carlos, Guaporé (RS), da Congregação dos Missionários de São Carlos, e os completou na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica.
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