5 de setembro de 2012

Por que Deus se fez homem? (Artigo V)


Por Eduardo Moreira. 
O homem, o Pecado Original e a Eucaristia
Iniciando mais um artigo da série “Por que Deus se fez homem?” que é baseada (mas não é literalmente) na obra de título igual e de autoria de Santo Anselmo de Cantuária, falaremos sobre o homem, a queda e a Eucaristia.
Graças aos avanços da ciência, sabemos hoje que provavelmente a narração do Gênesis é uma metáfora. O Papa Pio XII dá total direito aos católicos de pensarem assim, muito embora afirme que a posição oficial da Igreja é o criacionismo (Vide Encíclica Humani Generis). Entretanto, quanto à criação do universo já é hipótese praticamente consolidada na Cátedra de São Pedro que esse surgiu pelo Big Bang, conforme propôs o Padre Jesuíta Georges Lemaître ao dar o escopo dessa Teoria. O que a Igreja não admite (e com razão e obrigatoriedade científica) é que a criação esteja aqui por acaso, sem uma razão e sem um propósito. Em termos científicos, é irracional falar em “acaso”. Na verdade, em ciência clássica não se aceita o acaso como explicação, pelo contrário, a ciência vive de encontrar causas dos fenômenos observados empiricamente.
Mas então, como o homem surgiu? Essa pergunta é intrigante, mas é teologicamente irrelevante. Sabemos que o homem é bom, pois foi criado bom. O argumento moral da existência de Deus demonstra muito bem que o homem não se compraz com o mal, a menos que esteja deformado, é claro. Logo, o homem, embora esteja deformado pelo mal, é intrinsecamente bom.
Em termos teológicos, o homem foi criado por Deus e tudo o que Deus fez é bom. Logo, o homem não pode ser mal e o próprio comportamento social apoia essa hipótese. Tanto é verdade isso que existem em todas as sociedades, códigos de conduta que, se violados, resultam na pena temporal de um poder judicial qualquer.
Ora, se o homem é bom, por que ele faz o mal? São Paulo diz que “não faz o bem que quer, mas o mal que não quer” (Rm 7, 19). De fato, o homem pode agir mal por descuido ou por pura maldade. É difícil imaginar, entretanto, que alguém que age mal não se arrependa mais tarde. Se não se arrepende é porque não pensa no que fez, pois se pensar certamente se arrependerá.
Podemos então dizer que o homem é bom, mas está corrompido. E o que corrompeu o homem? O que corrompe o homem? Por que, mesmo tendo raciocínio, o homem age mal? Aí entra a Teologia. Para a Teologia, o homem sabe o que é bom e o que é mau, o que é certo e o que é errado, mas age mal porque, em algum momento da história, por algum motivo ele se corrompeu. Talvez seja até ingênuo pensar que foi um casal que comeu o fruto proibido e por isso se corrompeu, mas isso pode ser uma figura de linguagem ou mesmo algo tido como real pelos judeus. Esses últimos são muito ligados à questão das impurezas e sendo o Gênesis um livro judeu, é normal que haja referência à cultura deles. Assim, o judeu do passado (quiçá o moderno) pode crer de fato que a injestão de um fruto pode provocar a queda do ser humano. Entretanto, Cristo diz aos cristãos que não é o que entra, mas o que sai da boca do homem que é impuro (Mt 15, 11), pois a boca fala do que o coração está cheio (Lc 6, 45) e se o homem fala impurezas, é porque impuro está seu coração.
Acerca da queda, o Padre Paulo Ricardo diz que ela gerou o pecado original, que nada mais é que a vontade do homem de expulsar Deus de sua vida, tal qual fizeram os construtores da Torre de Babel. Assim sendo, há várias interpretações para esse pecado. Ele pode ser o orgulho, a vontade do homem de ser igual a Deus ou simplesmente a tendência do homem de negar a Deus. Diz-nos o Gênesis que Deus passeava com o homem durante as tardes pelo jardim do Éden. Ora, isso é a visão beatífica, da qual estamos privados. De fato, ninguém vê a Deus. Podemos dizer então que o pecado original nos colocou de costas para Deus.
Cristo não podia estar de costas pra Deus, pois do contrário, não o conheceria. Podemos dizer então que Cristo não tinha o pecado original, o orgulho, a vontade de viver sem Deus. Nossa Senhora de forma igual, não poderia ser também portadora desses males, pois do contrário não teria se colocado tão prontamente a serviço do Altíssimo.
Tendo esclarecido, ao menos de forma vaga o que é o pecado original, devemos esclarecer agora o que é e para que serviu o Sacrifício de Cristo. Ora, esse sacrifício limpou-nos de nossos pecados que agora podem ser perdoados. Digamos assim que o pecado, por mais leve que seja, é uma ofensa tão grande que o homem não pode limpá-la por sacrifício algum. Assim sendo, o homem necessita do Sacrifício de Cristo, que tem valor infinito. Mas, se Cristo morreu na cruz, como o homem se beneficia desse Sacrifício?
O homem se beneficia através do Batismo. Através do Batismo somos mortos para esse mundo e nossa vida passa a estar escondida em Cristo (Cl 3, 1). Além disso, o Batismo nos torna parte do Corpo de Cristo e aí está a misericórdia. Quem não tinha pecado se fez vítima por misericórdia. Cristo se deu na cruz para nos livrar do pecado e nos permitiu, não por nossos méritos, mas pela graça, sermos inseridos em seu Corpo. Dessa forma, os méritos infinitos de Cristo se aplicam a nós e com o Batismo já não temos mais a mancha do Pecado Original.
Entretanto, a Teologia diz que todos os sofrimentos do homem são decorrentes do Pecado Original. Então, por que mesmo sendo batizados nós sofremos? Talvez os fatos que causam sofrimentos existissem, mesmo sem o pecado original, mas a forma de encarar esses fatos seria diferente. Santo Agostinho diz que a alma que ama a Deus não se inquieta, pois Deus é tudo pra  ela. Assim sendo, as coisas da terra não lhe causam mal, pois a maior riqueza essa alma já tem que é a riqueza de Deus. Isso não responde, entretanto, a questão inicial desse parágrafo. Na melhor das hipóteses isso nos dá uma dimensão sobre quanta falta nos faz a visão beatífica que, dando-nos certeza da existência de Deus, nos dá também a certeza da Salvação e força para encarar essa vida. São Tomás de Aquino nos responde a questão inicial desse parágrafo dizendo que, embora o pecado original seja retirado nessa vida, os méritos desse perdão só serão “pagos” no século futuro. Assim, embora não tenhamos mais a mancha do Pecado Original, temos que passar por uma provação nessa Terra para nos mostrarmos dignos do Paraíso Celeste. Há algo ilógico nisso? De forma alguma, afinal, não recebemos nessa vida glória alguma por nossos feitos. É na outra vida que depositamos nossa confiança. Aqui, como diz a oração da Salve Rainha, é um vale de lágrimas, um lugar de provações onde caminhamos confiantes em Deus e depositamos n'Ele todas as nossas esperanças. É após a morte que o homem aparecerá glorioso, isto é, como foi criado pra ser.
Mas não é apenas a Salvação que nos é garantida pela morte de Cristo. Também devemos nos alegrar dessa morte porque por ela nos tornamos capazes de sermos filhos de Deus. Não somos filhos de Deus por mérito nosso, mas porque pela morte de Cristo e pelo Batismo, somos inseridos ao Corpo de Cristo que é filho de Deus. Assim, pela graça nós, que não somos da mesma substância de Deus, nos tornamos parte de Deus e por isso somos seus filhos adotivos. "Quão gloriosa fostes, ó morte de Cristo, que nos tornou filhos de Deus. Quão digno de louvor és, ó Cristo, que através de sua encarnação nos ensinou do modo mais divino, como é ser humano."
Alguns teólogos dizem que Cristo, ao se encarnar, ensinou o homem a viver como tal. Outros dizem que Cristo se encarnou para acostumar o homem à divindade e para acostumar Deus à humanidade para que no Corpo Místico de Cristo pudessem conviver harmoniosamente. Por fim, outros, como Santo Anselmo, dizem que o Sacrifício de Cristo permitiu ao homem decaído se elevar à dignidade de Deus, não pelos méritos do homem, mas pela Graça Salvífica.
E onde entra a Eucaristia? Ora, é muito simples. Pelo pecado nos apartamos da Graça e pela Penitência nos reaproximamos. Note que aqui não falamos de uma penitência qualquer, mas da Penitência, isso é, do Sacramento. A Eucaristia é, pois, o alimento espiritual que aproxima a nossa natureza decaída da natureza agraciada da divindade. Assim como o corpo precisa de alimento material para se nutrir, a alma precisa de alimento espiritual para se manter forte. O Espírito está pronto, mas a carne é fraca (Mt 26, 41b). Então o nosso Espírito, que é a parcela da Alma onde habita Deus, pode ficar cheio de Deus e pode, ipso facto, viver na Graça mesmo sendo indigno dela. A Eucaristia então acostuma o homem à natureza divina, nos faz ainda mais semelhantes a Deus e nos torna menos indignos do Paraíso. 
Pensando bem, a Hóstia Santa é algo que, de certo modo, é muito frágil. Deus, pura Graça e Majestade, se faz tão pequeno e frágil como um pedaço de pão. Aí está a Misericórdia, porque Deus, sabendo de todos os riscos e blasfêmias aos quais estará sujeito na matéria, se faz pequeno na Hóstia Santa. A Eucaristia é, pois, verdadeiro Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Cristo. Só quem já viveu uma vida de Comunhão Diária sabe quão grande é essa graça.
Na Eucaristia podemos receber o próprio Deus, que sendo Misericórdia Infinita, corre o risco de ser comungado até mesmo por pessoas com os mais terríveis pecados. Mas Deus assim mesmo se sujeita, se faz pequeno por amor, se entrega ao homem para que o homem se fortaleça e goze um dia do Paraíso Eterno em Sua presença.

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